segunda-feira, 9 de abril de 2012

O meu último sonho nas palavras de um poeta


O Amor, Meu Amor

Nosso amor é impuro
como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.

Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.

E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.

Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.

Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.
Mia Couto, in "idades cidades divindades”

Anda comigo ver os aviões... ou as coisas que eu aprendo com as minhas filhas...





Anda comigo ver os aviões levantar voo
A rasgar as nuvens
Rasgar o céu
Anda comigo ao porto de leixões ver os navios
A levantar ferro
A rasgar o mar
Um dia eu ganho a lotaria
Ou faço uma magia
(mas que eu morra aqui)
Mulher tu sabes o quanto eu te amo,
O quanto eu gosto de ti
E que eu morra aqui
Se um dia eu não te levo à América
Nem que eu leve a América até ti
Anda comigo ver os automóveis à avenida
A rasgar as curvas
A queimar pneus
Um dia vamos ver os foguetões levantar voo
A rasgar as núvens
A rasgar o céu...
Um dia eu ganho o totobola
Ou pego na pistola
Mas que eu morra aqui
Mulher tu sabes o quanto eu te amo
O quanto eu gosto de ti
E que eu morra aqui
Se um dia eu não te levo à lua
Nem que eu roube a lua,
Só para ti
Um dia eu vou jogar a bola
Ou vendo esta viola
Nem que eu morra que aqui
Mulher tu sabes o quanto eu te amo
O quanto eu gosto de ti
E que eu morra aqui
Se um dia eu não te levo à América
Nem que eu leve a América até ti

sábado, 17 de março de 2012

Lirismo...



Haverá sempre um pomar nas minhas memórias... Sempre uma laranja a arder por entre as recordações dum tempo de grande pureza e juventude. Recordo o meu canto, os meus sonhos, quando a vida e o futuro tinham o brilho deste fruto e o sumo do universo parecia caber-me nas mãos. Quando olhamos para trás, tudo é mais belo do que a nossa perceção quando de facto vivemos os momentos que fazem de nós o que somos hoje.
Para sempre o cheiro dos frutos que amadureciam.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Ainda nos primeiros anos...




Toda a minha adolescência foi passada "nos braços" de Pessoa. Tinha uma fotografia do grande poeta na cabeceira. Aos 16 já tinha lido alguns ensaios, nomeadamente a obra "Diversidade e unidade em Fenando Pessoa" de Jacinto do Prado Coelho e tinha quase tosdos os livros publicados pela Ática e nunca largava a fotobiografia da Imprensa Nacional. Muitos tinham-me sido oferecidos pela minha irmã que sabia da minha "panca", outros, como os de ensaio/estudo, procurava-os e comprava-os eu quando esgravatava a antiga livraria do Faraó, nmum tempo em que não existiam fóruns nem fnacs.
Depois, já na faculdade, ir ao Paulo Quintela apreciar a "Ode Marítima" era qualquer coisa de natural e lógico. Foi muito bom. Outro nmomento para guardar.

domingo, 4 de março de 2012

1ª Queima... esteve lá o tio Sérgio




A música que gostaria tivesse sido escrita para mim!
Que mulher feliz, esta destinatária!

Primeiros anos nesta cidade II...

Palavras?
TAGV o meu primeiro espetáculo "a sério" nesta sala... Noite memorável. Ficará para sempre guardada cá dentro.

Primeiros anos de Medeia nesta cidade... (início da década de 90)

Um filme fantástico, no seu género. Musicas que ficaram para sempre... Para sempre o calor das mãos dentro da noite no cinema. O som do inspirar lento dos jovens apaixonados. Bela imagem. Dentro e fora do ecrã.
Boas noites.

sábado, 3 de março de 2012

Estórias do meu modo funcionário de viver...


A A. R. deve de ter cerca de 15 anos. No primeiro período parecia-me promissora. Perdeu-se um pouco, entretanto. Creio que é para ela muito mais interesante a conversa com alguns outros jovens que se sentam ao fundo da sala do que ouvir que Camões imita e supera as suas fontes literárias, ou que Vénus é a figura feminina paradigmática da nossa epopeia, ou que existe uma lógica evidente a unir os vários planos narrativos e que as abundantes figuras de estilo, aparentemente tão complicadas, são usadas por nós no dia a dia, como a metonímia que vulgarmente utilizamos, quando dizemos, por exemplo, que temos um Picasso na parede da sala ou pedimos um "cimbalino" numa chávena escaldada...
Bom, esta minha jovem "amiga", que olha para mim, quando a chamo a atenção, com aqueles olhos e sorrisos que dizem "não é nada contra si, mas isto não me interessa nada...", virou-se, um dia destes, e disse: "a setôra fala disto com um entusiasmo... é como nós quando estamos no facebook e quando falamos dos nossos amigos..."
De facto, os meus maiores amigos, o meu facebook, é feito de papel... lembrei-me com saudosismo do tempo em que estudava até às 6 da manhã "Os Lusíadas"ou traduzia epigramas de Marcial...
Apesar das conversas paralelas, creio que eles me veem.
Foi isso que a A. R. me disse.
Obrigada.

sexta-feira, 2 de março de 2012

A Naifa II - Agora para ouvir e antecipar...

A Naifa - Não se deitam comigo corações obedientes

4º disco. Edição pós perda de João Aguardela. Um novo fôlego. Vivamente aconselhado. Ao vivo na Oficina Municipal do Teatro, dia 9 do corrente.
Lá estarei (depois de resolver o que faço às minhas crianças...).
Espero.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Sessão de cinema

Fui ver este nomeado para os óscares com as minhas crias. O cavalo, personagem principal, lembrou-nos a Rómina, a "minha" égua que era, como a personagem do filme, bastante inteligente. As miúdas gostaram: a mais velha porque também foi a sua melhor amiga, com quem foi conversando e trocando risos (mesmo nos momentos impróprios) ; a mais nova gostou do cavalo pela parecença com os seus, pelo seu gosto por esses animais e esteve o tempo todo a torcer para que o final fosse feliz. E foi.
Uma reflexão bonita sobre a guerra e o seu absurdo, sobre os seres humanos, a amizade, o amor em sentido lato.
Eu gostei, sobretudo, de ter tido um bom momento de partilha com os meus diabretes e das pipocas, e depois, vá lá, também gostei do filme...
Belas imagens e fotografia. Um pouco exagerada a humanização do cavalo (um bocadinho à Lassie...) mas não deixa de ser um filme bonito com uma bonita mensagem.
Muito Spielberguiano.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

A preguiça


Todos os dias penso: amanhã não me deitarei sem tirar o rímel e lavar a cara... Todos sabem o quanto faz mal à pele, sobretudo quando não estamos a emagrecer na idade e o peso do tempo que vamos vivendo tem esta fantástica apetência pelo nosso rosto (e ancas e etc, mas isso ficará para outro texto).
No entanto, e apesar da intenção e da aparente inabalável decisão, lá estão as marcas negras da minha preguiça todas as manhãs a apontarem-me o dedo na fronha que se pretendia branca e imaculada
Danada da preguiça e malvados preços dos bons cremes ou espumas desmaquilhantes. Agarro-me à crise para desculpabilizar o desleixo, e chamo desleixo ao facto de actos tão simples,como lavar a cara, serem entendidoscomo um luxo , um gasto supérfluo a que não me posso dar.
Melhor chamar preguiça que tristeza e deprimir-me por estes tempos tão duros.
Esperemos nunca ouvir o corpo queixar-se da falta de pão para a boca...
Sim, chamemos apenas preguiça a tudo isto...
Façamos de conta que não se passa nada...
Amanhã lavarei...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Sobre o amor III


A imagem do amor mais comum: o coração, lustroso órgão tantas vezes dobrado, desdobrado, amarrotado como simples folha de papel, o pobre músculo.
Continua um mistério: por que será o coração a representação simbólica do amor? Poquê se é tão mecânico e deverá ser exato e preciso para nos manter vivos? O que é que isso tem que ver com o amor?
E não é uma palavra bonita... tem um ditongo nasal e fica mal nas rimas...
Quem teria inventado tamanha ironia?
Sentimos mais com a pele do que com o coração...
"comboio de corda a entreter a razão"?
E como é quando, como diz o outro, apenas se traz uma pedra no peito...
Tanto que nós usamos a sua imagem que está gasto.
O dito.
Coração.

Sobre o amor II

Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos.
Isto é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma idia nossa. O onanista é abjeto, mas, em exata verdade, o onanista é a perfeita expressão lógica do amoroso. É o único que não disfarça nem se engana.
As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade. No próprio ato em que nos conhecemos, nos desconhecemos. Dizem os dois "amo-te" ou pensam-no e sentem-no por troca, e cada um quer dizer uma ideia diferente, até, porventura, uma cor ou um aroma diferente, na soma abstrata de impressões que constitui a atividade da alma.


25-7-1930, do Livro do Desassossego, trancrito aqui da obra citada da Fundação C. G.

... ter um coração independente

Sobre o amor I

"Eu gosto tanto de ti que tenho vergonha de mim. Há todas as razões boas para eu não gostar de ti, menos a de eu não gostar, porque gosto. É fantástico a gente sentir o que não quer e ter um coração independente."

Apontamento escrito por Pessoa na dobra de um envelope, em data incerta. Aqui transcrito de Fernando Pessoa, o editor, o escritor e os seus leitores, Fundação Calouste Gulbenkian

(ainda não fui visitar a exposição mas irei...)

sábado, 18 de fevereiro de 2012

A música do momento

Dicionário de coisas inúteis

Tão no centro do sentido do não, tão presente no aqui e agora.
Inútil como todas as coisas gastas.
Como as palavras do Eugénio em escrita permanente na parede do WC, como os teus olhos que nunca foram peixes verdes, como o meu corpo que nunca foi um rio, mas pó seco e térreo pisado até se tornar apenas mais caminho.
No dicionário das coisas inúteis está o nada que é tudo de Pessoa, estão lábios e dentes mastigando palavras e vestidos rasgados por força da impossibilidade.
Lá estará sempre o kilt vermelho pendurado à espera, qual veste nupcial, qual pueril trapo gasto talhado para um corpo que não cresceu porque já nascera assim.
Neste dicionário de coisas inúteis há papéis escritos pela azert de fita vermelha e preta e sons de uma música envelhecida dos discos a girar no quarto fechado, inutilmente cerrado por fora e em vão fechado por dentro, onde existia a luz da prata dos chocolates e dos desenhos enigmáticos que cheiravam, estranha e inutilmente, a laranjas, a pomares, a corpos aninhados sobre si, contemplando o rio.
Inútil a luz do Tejo.
Inútil a penumbra do Mondego.
Finalmente, a maior de todas as inutilidades: as palavras sedentas de arrependimento no meio de tantas coisas inúteis e tão vãs como acreditar no liebestraum ou ouvir Liszt.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Se viesses ver-me hoje à tardinha...

A inevitável crise de irritação que nasce da espera.
Ide. Como o outro. Para o diabo. Sem mim.
E com Pessoa e Régio de braçado, seguirei cantando, não sei bem o quê, mas hoje cantei que me fartei entre os pratos sujos da louça branca que pus a lavar na máquina da vida.

Quando se escreve uma não carta de amor... (uma não frase)

Não tem destinatário.
Esta afirmação da negação virá do tempo em que Lins e Godinho se questionavam com o que havia de ser da lágrima vã e de tanto que se trocara...
Mas esse tempo de bustos de vidro e estátuas de carne era aquele em que as amendoeiras frutificavam, em que não havia mortes nem mortos (fosse ou não dia de aniversário).
Agora o que há de ser é o que não é, o não ser das cartas que não serão cartas. A língua está gasta de dizer tanto, irrecuperável, vazia, seca.
Alguém tragou toda a saliva e remoeu no escuro das sílabas surdas, não entendendo o gotejar das memórias, das manhãs claras por dentro dos olhos do sol.
Uma não carta. Não texto. Não amor.
Que ficará, no fim de tudo, no nosso céu interior? (lá vem de novo Pessoa, o mesmo das cartas ridículas...)
Não é de facto uma carta de amor.
O agora é negação do ontem do que poderia do que foi quase e não foi...
Neste dia, em particular, negamos o amor.
Nego o coração.
Uma carta.
Não.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Objetos Diários

Nos objetos diários caberá toda e qualquer definição:
O espaço vazio entre a cadeira e a mesa emoldura o mesmo vazio que também é espaço entre cada palavra dita, por dizer, gritada, entoada ou arrancada, encostada ao corpo como uma cadeira ou cama onde repousam essas e outras palavras.
E na decoração do nada, há sempre uma parede branca onde se cravam os olhos despojados, olhos como telas escorrendo no invisível interior do quarto em que descansam as pálpebras caladas e mudas na dor silenciada.

A pele que há em mim

Esta é a música do dia.
Soa-me bem. Vale uma audição, versão dueto Márcia /JP Simões. Muito agradável e com sentido (coisa rara).
Deixo a letra. Ouçam a melodia.


Quando o dia entardeceu
E o teu corpo tocou
Num recanto do meu
Uma dança acordou
E o sol apareceu
De gigante ficou
Num instante apagou
O sereno do céu
E a calma a aguardar lugar em mim
O desejo a contar segundo o fim.
Foi num ar que te deu
E o teu canto mudou
E o teu corpo do meu
Uma trança arrancou
E o sangue arrefeceu
E o meu pé aterrou
Minha voz sussurrou
O meu sonho morreu
Dá-me o mar, o meu rio, minha calçada.
Dá-me o quarto vazio da minha casa
Vou deixar-te no fio da tua fala.
Sobre a pele que há em mim
Tu não sabes nada.
Quando o amor se acabou
E o meu corpo esqueceu
O caminho onde andou
Nos recantos do teu
E o luar se apagou
E a noite emudeceu
O frio fundo do céu
Foi descendo e ficou.
Mas a mágoa não mora mais em mim
Já passou, desgastei
Para lá do fim
É preciso partir
É o preço do amor
Para voltar a viver
Já não sinto o sabor
A suor e pavor
Do teu colo a ferver
Do teu sangue de flor
Já não quero saber.
Dá-me o mar, o meu rio, a minha estrada.
O quarto vazio na madrugada
Vou deixar-te no frio da tua fala.
Na vertigem da voz
Quando enfim se cala.