domingo, 26 de fevereiro de 2012

Sessão de cinema

Fui ver este nomeado para os óscares com as minhas crias. O cavalo, personagem principal, lembrou-nos a Rómina, a "minha" égua que era, como a personagem do filme, bastante inteligente. As miúdas gostaram: a mais velha porque também foi a sua melhor amiga, com quem foi conversando e trocando risos (mesmo nos momentos impróprios) ; a mais nova gostou do cavalo pela parecença com os seus, pelo seu gosto por esses animais e esteve o tempo todo a torcer para que o final fosse feliz. E foi.
Uma reflexão bonita sobre a guerra e o seu absurdo, sobre os seres humanos, a amizade, o amor em sentido lato.
Eu gostei, sobretudo, de ter tido um bom momento de partilha com os meus diabretes e das pipocas, e depois, vá lá, também gostei do filme...
Belas imagens e fotografia. Um pouco exagerada a humanização do cavalo (um bocadinho à Lassie...) mas não deixa de ser um filme bonito com uma bonita mensagem.
Muito Spielberguiano.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

A preguiça


Todos os dias penso: amanhã não me deitarei sem tirar o rímel e lavar a cara... Todos sabem o quanto faz mal à pele, sobretudo quando não estamos a emagrecer na idade e o peso do tempo que vamos vivendo tem esta fantástica apetência pelo nosso rosto (e ancas e etc, mas isso ficará para outro texto).
No entanto, e apesar da intenção e da aparente inabalável decisão, lá estão as marcas negras da minha preguiça todas as manhãs a apontarem-me o dedo na fronha que se pretendia branca e imaculada
Danada da preguiça e malvados preços dos bons cremes ou espumas desmaquilhantes. Agarro-me à crise para desculpabilizar o desleixo, e chamo desleixo ao facto de actos tão simples,como lavar a cara, serem entendidoscomo um luxo , um gasto supérfluo a que não me posso dar.
Melhor chamar preguiça que tristeza e deprimir-me por estes tempos tão duros.
Esperemos nunca ouvir o corpo queixar-se da falta de pão para a boca...
Sim, chamemos apenas preguiça a tudo isto...
Façamos de conta que não se passa nada...
Amanhã lavarei...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Sobre o amor III


A imagem do amor mais comum: o coração, lustroso órgão tantas vezes dobrado, desdobrado, amarrotado como simples folha de papel, o pobre músculo.
Continua um mistério: por que será o coração a representação simbólica do amor? Poquê se é tão mecânico e deverá ser exato e preciso para nos manter vivos? O que é que isso tem que ver com o amor?
E não é uma palavra bonita... tem um ditongo nasal e fica mal nas rimas...
Quem teria inventado tamanha ironia?
Sentimos mais com a pele do que com o coração...
"comboio de corda a entreter a razão"?
E como é quando, como diz o outro, apenas se traz uma pedra no peito...
Tanto que nós usamos a sua imagem que está gasto.
O dito.
Coração.

Sobre o amor II

Nunca amamos alguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos.
Isto é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma idia nossa. O onanista é abjeto, mas, em exata verdade, o onanista é a perfeita expressão lógica do amoroso. É o único que não disfarça nem se engana.
As relações entre uma alma e outra, através de coisas tão incertas e divergentes como as palavras comuns e os gestos que se empreendem, são matéria de estranha complexidade. No próprio ato em que nos conhecemos, nos desconhecemos. Dizem os dois "amo-te" ou pensam-no e sentem-no por troca, e cada um quer dizer uma ideia diferente, até, porventura, uma cor ou um aroma diferente, na soma abstrata de impressões que constitui a atividade da alma.


25-7-1930, do Livro do Desassossego, trancrito aqui da obra citada da Fundação C. G.

... ter um coração independente

Sobre o amor I

"Eu gosto tanto de ti que tenho vergonha de mim. Há todas as razões boas para eu não gostar de ti, menos a de eu não gostar, porque gosto. É fantástico a gente sentir o que não quer e ter um coração independente."

Apontamento escrito por Pessoa na dobra de um envelope, em data incerta. Aqui transcrito de Fernando Pessoa, o editor, o escritor e os seus leitores, Fundação Calouste Gulbenkian

(ainda não fui visitar a exposição mas irei...)

sábado, 18 de fevereiro de 2012

A música do momento

Dicionário de coisas inúteis

Tão no centro do sentido do não, tão presente no aqui e agora.
Inútil como todas as coisas gastas.
Como as palavras do Eugénio em escrita permanente na parede do WC, como os teus olhos que nunca foram peixes verdes, como o meu corpo que nunca foi um rio, mas pó seco e térreo pisado até se tornar apenas mais caminho.
No dicionário das coisas inúteis está o nada que é tudo de Pessoa, estão lábios e dentes mastigando palavras e vestidos rasgados por força da impossibilidade.
Lá estará sempre o kilt vermelho pendurado à espera, qual veste nupcial, qual pueril trapo gasto talhado para um corpo que não cresceu porque já nascera assim.
Neste dicionário de coisas inúteis há papéis escritos pela azert de fita vermelha e preta e sons de uma música envelhecida dos discos a girar no quarto fechado, inutilmente cerrado por fora e em vão fechado por dentro, onde existia a luz da prata dos chocolates e dos desenhos enigmáticos que cheiravam, estranha e inutilmente, a laranjas, a pomares, a corpos aninhados sobre si, contemplando o rio.
Inútil a luz do Tejo.
Inútil a penumbra do Mondego.
Finalmente, a maior de todas as inutilidades: as palavras sedentas de arrependimento no meio de tantas coisas inúteis e tão vãs como acreditar no liebestraum ou ouvir Liszt.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Se viesses ver-me hoje à tardinha...

A inevitável crise de irritação que nasce da espera.
Ide. Como o outro. Para o diabo. Sem mim.
E com Pessoa e Régio de braçado, seguirei cantando, não sei bem o quê, mas hoje cantei que me fartei entre os pratos sujos da louça branca que pus a lavar na máquina da vida.

Quando se escreve uma não carta de amor... (uma não frase)

Não tem destinatário.
Esta afirmação da negação virá do tempo em que Lins e Godinho se questionavam com o que havia de ser da lágrima vã e de tanto que se trocara...
Mas esse tempo de bustos de vidro e estátuas de carne era aquele em que as amendoeiras frutificavam, em que não havia mortes nem mortos (fosse ou não dia de aniversário).
Agora o que há de ser é o que não é, o não ser das cartas que não serão cartas. A língua está gasta de dizer tanto, irrecuperável, vazia, seca.
Alguém tragou toda a saliva e remoeu no escuro das sílabas surdas, não entendendo o gotejar das memórias, das manhãs claras por dentro dos olhos do sol.
Uma não carta. Não texto. Não amor.
Que ficará, no fim de tudo, no nosso céu interior? (lá vem de novo Pessoa, o mesmo das cartas ridículas...)
Não é de facto uma carta de amor.
O agora é negação do ontem do que poderia do que foi quase e não foi...
Neste dia, em particular, negamos o amor.
Nego o coração.
Uma carta.
Não.