terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Desculpa.
Esta não é a melhor forma de começar o que quer que seja - frase ou texto ou retrato ou fotocópia sumida a representar qualquer coisa como a vida. Continuo com esta inquietação, este talento ou vocação de amora que sangra para dentro como diz o António naquela crónica que leio todas as noites. Serão noites? Deveria dizer dias porque aqui onde estou não consigo estabelecer dentro de mim essa fronteira entre o tempo, mas sei que está sempre escuro e que isso me pesa uma sombra demasiado intensa sobre as horas.
Apetece-me, por vezes, como hoje, entrar precipitadamente nessa noite escura (cá está de novo a voz do António, maldita fixação de últimos tempos), indiferente a tudo, porque tudo é uma cortina cinzenta teimosamente pesada para que eu a enfrente e recolha os aplausos.
Imagino-me a cair do palco e não me desagrada essa imagem, diria que é assustadoramente agradável, talvez junto ao chão brote um rio que deixei fluir sobre um corpo que já não me pertence, talvez seja um terreno fértil coberto de erva e papoilas e frutos e laranjas e aves que trazem nos bicos as mãos com que nunca aprenderei Bach ou Liszt, quebrando o silêncio do piano...
Desculpa este desabafo, não é fácil ouvir palavras tão à solta, à doida, saídas do vazio, da ausência deste lugar onde me encontro.
Talvez se conseguisse dormir me passasse esta vontade de cordel dado ao vento, prendendo o papel entre os dedos (prende bem os nós, senão desfaz-se na brisa, na vaga, na leve linha horizontal que fenece).
Desculpa, sim desculpem, F., M., nem o calor dos vossos sonhos me embala (é neste momento que descubro que não é só da minha vida que não gosto, afinal, também não me tenho em grande estima). Vou apagar a luz do vosso quarto. Os meus olhos, apenas os meus olhos que não se fecham dentro deste cansaço, permanecerão velas a guiar os vossos passos.
Desculpa. Queria entrar, ó António... Aqui onde todas as paisagens são distantes.

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