domingo, 10 de abril de 2011

Titânia... ou o nascimento do feminino (para mim, com perdão de Cesariny)


Quando Vénus Urânia emergiu das ondas ficou lá um buraco do tamanho de um homem. Estrelas-do-mar, um prego enferrujado, minúsculas armações que em vida tinham sido famélicos peixes aderiram às partes lívidas e frescas que a lindíssima deusa abrira em pleno oceano. Ninguém tapou aquela espécie de vácuo e por expressa ainda que ignota determinação cósmica Titânia nasceu ali. (...)



E é desse buraco, no mais vazio sentido do termo, que vem tudo: as mãos que aconchegam a noite nos olhos dos filhos, a fenda-abrigo onde acolhidas são as dores em forma de amor, o cabelo que é teia e lira...

É lá nessa profundeza mais que sua que as lágrimas são engolidas às golfadas na espuma do mar-ventre onde se há-de entregar.

Sem mais.

Sem preencher a ausência do tamanho do homem que preexiste ao seu nascimento e que um dia será tudo.

Ditará tudo.

E tudo ficará por dizer no centro desse abismo.

domingo, 3 de abril de 2011

Facebook

Sou a única pessoa que conheço e que não tem um. As minhas filhas têm e, como progenitora vigilante, vasculho os delas e encontro todas as pessoas que conheço... É incrível... Estão lá todos, uns mais discretos e outros menos... Saudades da blogosfera. Continuo a preferir produzir este mural.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A propósito do esplendor na relva... ou apenas a propósito de um título tão...

Recordo os tempos de sol sobre os campos que ondulavam nas palmas das mãos,
A doçura das flores abertas sobre o corpo,
As marés de sonhos no fundo dos olhos-horizonte.
Ao cimo dos lábios a ponte que se estreitava entre as margens do rio azul dos risos que se enlaçavam num tempo tão verão.
Nascia em acordes rubros esse esplendor que trará consigo o cheiro da pele sobre o orvalho.
O resto do que somos.
O resto do que somos:
Pensamentos (des)articulados entre o tempo-fuga e o que foi e o que resta nesta divisão de paredes que nos impõe a ave que sobre tudo passa e comanda a vida.
Esplendor ou escombros, ou sombras ou sussurros desse fluir dentro da memória onde descaem pálpebras e se esquecem os segredos.
O resto do que somos?
E nunca será pouco o tanto que restando se colhe nas palavras.

Splendor in the Grass III - William Wordsworth (1770 - 1850)

What though the radiance which was once so bright
Be now for ever taken from my sight,
Though nothing can bring back the hour
Of splendour in the grass, of glory in the flower;
We will grieve not, rather find
Strength in what remains behind;
In the primal sympathy
Which having been must ever be;
In the soothing thoughts that spring
Out of human suffering;
In the faith that looks through death,
In years that bring the philosophic mind.

(Ode: Intimations of Immortality from Recollections of Early Childhood, 175-186)

Splendor in the Grass II

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Ainda não II

Amanhã vou à terra...
Nunca um regresso me pareceu tão certo.
Amanhã retornarei para mim e talvez seja esse o único caminho.
Amanhã vou à terra e estou feliz por ir.
Ver companheiros de infância(há quanto tempo...)
Reler papéis, mexer nas velhas fotografias...
As saudades que eu tinha de gostar disto!
(entretanto rola a pequena sombra de ainda não ficar... que pena...)

Ainda não...


Ainda não...
Ainda não se esgotaram os olhos fechados.
Ainda não canta nenhum rio e já não há corpo.
Ainda é tarde para abrir as mãos e nunca será cedo
( já não há tempo, para seguir o rumo dos dedos)
Ainda não posso usar a voz e os lábios cerram-se sobre um cós interior apertado.
Ainda são cegos.
Ainda os nós.
Ainda não.
Eu, ainda.