terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Lábios ou o beijo




De repente percebi as saudades destes lábios e dos meus dedos.

Estes, por onde escorrem as palavras,

na sua saliva, na sua pele,

na língua do papel aberto nos parapeitos incertos da linguagem.

Das janelas só o que se pressente, só o que é sem ser corpo,

imagem imprecisa.

Este é o beijo.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

De costas


Na sala o ruído, o movimento, a alteração de vozes...
Alguém pronuncia nomes com letras - sugestão ofensiva e egoísta querer dar espaço à criação!
Voltam-se os rostos em espanto e total desaprovação...
Viro as costas e passa a estar vazia a casa onde não há cor.
Desastre de não pertencer ao inferno dos outros.
Casa de estar só.
( imagem de Dali, modificada por Medeia)

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Nem só de livros vive uma mulher, ou sugestões diversificadas para ocupar um serão no fim das férias...


Depois deste título de tamanho gigantesco, parece-me importante salientar que, nestes últimos tempos, abandonei, ou melhor, suspendi o meu período Saramaguiano para entrar no Agustino ou Agustiniano ou o que quer que seja.
Não há sensibilidade mais cruamente feminina e perspicaz que a de Agustina Bessa Luís. A Ronda da Noite encantou-me, a Quinta Essência abalou-me, a Fanny Owen causou-me incómodo e dores de cabeça... Contudo, qualquer uma destas obras é uma excelente oportunidade para apreciar o que de melhor se escreve em Língua Portuguesa (desculpem, mas quando ando numa fase de paixão por um autor é como na vida sentimental: este é que é, etc...)
E que tem isto que ver com a imagem da Madame de..., obra prima da sétima arte? Nada, ou melhor, tudo: o mesmo patamar de excelência que aproveito para colocar em lugar de empate com a Dama de Xangai.
Aqui ficam as sugestões para um serão fantástico: ler ou a ver um destes filmes formidáveis (e que tal deixarem as telenovelas de lado de vez em quando?)

Hoje ou recordação de Guanabara




É já o dia de hoje.

Ficam para trás os papagaios de papel e as conchas frágeis com que são construídos castelos de areia quase sempre molhada para que se sustentem. Ardem atrás do tempo os risos, o som do mar que gargalha na espuma em que se quebram ondas e ondas dentro da memória. Passa uma ave que leva no bico o entardecer e, no lusco-fusco do ocaso (tempo fantástico de acasos), são transportadas as últimas gotas de verão.

sábado, 16 de agosto de 2008

Garganta



Amanhã, domingo, não irei às hortas na Pessoa dos outros, não irei à terra nem à linda serra de neve a brilhar... Seguirei pelo asfalto e hei-de ouvir esta garganta a gritar cheia de energia e só hei-de parar junto ao mar.
Até ao meu regresso.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

As palavras que nunca serão de ...




As palavras que faltam explicam no seu vazio essa ausência: nunca deveriam ter existido noutra forma, noutra roupa ( o trajar sempre assimétrico do verbo sentir, por exemplo) para que as palavras nunca tivessem sido essa fonte tão cheia de vitalidade onde desaguam todos os males entendidos. Sofrimentos escusados. Poços sem uma gota de água.


Qual é a vida que cabe na medida das palavras?

As palavras neste retrato de Arpad pela sua esposa...



Procuro como quem arranha na terra. As palavras. Cravando as unhas no coração das árvores ardem. As palavras.
Percorro-me como se fosse qualquer coisa de exterior, um objecto estranho na paisagem do rio que é o meu corpo, mas não estão nas águas. As palavras.
Cuspo o sangue pensando que a boca guardava o que do coração partiu mas sufoco e não as tenho nas mãos. As palavras.
Secas. Duras. Feridas que são poços.
As palavras.